Boletim de Povos Isolados da Amazônia

Por Rafael Nakamura | Tradução de Patrícia Ribeiro de Carvalho

Na extremidade ocidental do Estado do Amazonas está localizada a terra Indígena (Ti) Vale do Javari. As imagens de satélite mostram uma área contínua e extensa da floresta amazônica, quebrada apenas por um pincel ou outras aldeias, ou as poucas-e relativamente pequenas-cidades circundantes. Há mais de 8.5 milhões de hectares, a muitos quilómetros dos grandes centros urbanos. O acesso restrito, apenas por via navegável ou aérea, sem estrada ou caminho de ferro perto passa a falsa ideia de que o Javari é uma área muito isolada, sem relação com as iniciativas nacionais de desenvolvimento econômico.

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Map of the Vale do Javari region.a mesma ideia de isolamento mantém o imaginário social ao dizer que o Vale Javari é a região que abriga a maior concentração de povos indígenas não-afetados em todo o mundo.: atualmente, a Funai trabalha com 16 registros em seu banco de dados, sendo 11 referências confirmadas, outras 3 ainda não confirmadas e 2 “Informações”.

Em acordo com a metodologia adotada pela Coordenação Geral de Índios Isolados e Recém-contatados (CGIIRC/Funai), os registros sobre a existência ou a presença de povos isolados ou grupos de uma determinada região podem ser classificados em:

  • Informações – qualquer tipo de informação sobre a existência ou a presença de determinados grupo isolado que não foi ainda verificado, mas já está gravado na Funai de banco de dados.referência
  • – Quando o conjunto de ações de localização da Funai destinadas à confirmação ainda não foi concluído, mas já há uma quantidade de dados e informações consistentes sobre a existência de um grupo isolado particular.
  • referência confirmada – quando o conjunto de ações de localização da Funai foi concluído e encontrou a existência efetiva de certo grupo.

” é comum difundir informações sobre estes povos indígenas não contatados como se fossem pessoas que nunca estabeleceram contato com a Sociedade Nacional, vivendo no Neolítico (período). Mas eles são realmente tão contemporâneos como nós, com diferentes estratégias políticas para lidar com outras sociedades”, diz Conrado Rodrigo Octavio, Vice-Coordenador do Centro de Trabalho Indigenista (CTI).muito mais complexo do que o purismo de natureza intocada, a dinâmica e a ocupação histórica na região ajudam a compreender o contexto atual dos povos indígenas isolados que habitam na região. “Houve momentos em que o Vale do Javari era mais povoado por ‘invasores’. Na virada do século XIX para o século XX, houve uma chegada bastante expressiva de peruanos não indígenas e outros povos indígenas de regiões do Peru, é o caso dos Chamicuros, os povos Arahuaca, que vieram trabalhar na exploração da borracha. Algumas narrativas dos povos Marubo, por exemplo, se referem a contatos com esses grupos”, completa Conrado.esta coexistência foi muitas vezes uma má experiência para os indígenas, sendo uma das explicações para a opção de isolamento voluntário em relação às sociedades vizinhas. “O isolamento é muitas vezes uma estratégia de sobrevivência. Muitos destes grupos tiveram contatos traumáticos no segundo ciclo da borracha. O roubo de mulheres, estupro, rapto de crianças, escravidão, “correrias”, guerras e, em seguida, determinados grupos indígenas decidem isolar e são resistentes ao contato até hoje”, relata Hilton Nascimento, ecólogo, que trabalha na região do Vale do Javari, desde 2001, vinculada ao Javari Programa de Centro de Trabalho Indigenista.

A responsabilidade de assegurar o direito de opção de permanecer em isolamento voluntário é da Fundação Nacional do Índio (Funai), realizada por meio de Frentes de Proteção Etnoambiental (FPE), que implementam a política de proteção sob a supervisão da Coordenação-Geral de Índios Isolados e Recém-Contatados (CGIIRC/Funai). O FPE Vale do Javari monitora e protege os territórios ocupados por indígenas que se recusam a estabelecer uma relação mais sistemática e constante com a sociedade nacional hoje em dia. A tarefa não é fácil, nem pela extensão da área, as muitas ameaças à tranquilidade desses povos, nem pela precariedade da estrutura, dos recursos e do material humano das agências estatais brasileiras.durante anos, Vale do Javari acumula estatísticas alarmantes no contexto da saúde sobre os povos indígenas da região. De acordo com dados oficiais, de 2000 a 2010 foram registradas pelo menos 325 mortes, o que equivale a 8% da população do Vale do Javari. Ainda hoje, a região sofre de alta prevalência de hepatite viral (A, B, C E D), além de filariase, malária e tuberculose. “Embora algumas pesquisas tenham sido feitas no final de 2010, este problema nunca recebeu a atenção adequada da Política de saúde pública. Pelo contrário, tem sido sistematicamente omitido”, diz Conrado Octávio.o bem-estar dos povos isolados depende directamente do bem-estar dos seus vizinhos imediatos. Os povos isolados e os grupos recém-contactados têm um sistema imunológico extremamente vulnerável porque não têm anticorpos contra doenças facilmente combatidas pelo resto da população. “Se em algum ponto de alguns desses povos isolados quiser fazer contato, aparecem em uma aldeia Marubo, por exemplo, e esta aldeia tem a ocorrência de malária, com as pessoas com hepatite e tuberculose, sem a cobertura de vacinação, todo o trabalho de proteção pode não ser suficiente para garantir que eles não vão sofrer surtos epidêmicos”, diz Octavio.grupos inteiros de alguns povos indígenas já foram dizimados por doenças. É o caso do Matis, que nos primeiros anos após o contato, em 1976, perdeu aproximadamente 1/3 de sua população devido a epidemias de resfriados e outras doenças contagiosas. “Nossos idosos sempre usaram folhas, a medicina tradicional para curar doenças. O que nos afetou não foi entendido como uma doença. Espiritualmente estávamos doentes, mas tínhamos o remédio que na floresta. Mas a doença dos brancos é tão ruim que põe fim à pessoa”, explica Raimundo Mean Mayoruna, Presidente da Organização Geral Mayoruna (OGM).

Indian Matis with Blowpipe in the Bayou manhole covers, Ituí, TI Vale do Javari, um ano após o contato oficial em 1985 (foto: Isaac Amorim Son).

Indian Matis with Blowpipe in the Bayou manhole covers, Ituí, TI Vale do Javari, a year after the official contact in 1985 (photo: Isaac Amorim Son).

persistência de invasões

juntamente com as doenças vieram outros infortúnios. A presença de pescadores, caçadores e madeireiros ilegais deve ser constantemente controlada pela FPE Vale do Javari. Há informações sobre incursões no território, mesmo onde o FPE pode estar presente e controlar a entrada na área. No entanto, em todo o limite sul e na parte oriental das terras indígenas, em locais de acesso mais difícil, o desafio de garantir a presença e, portanto, as ações de proteção é ainda maior.em 1996, a Funai promoveu o contato com um grupo Korubo em uma situação extremamente vulnerável e sofrendo um risco iminente de retaliação por parte da população das áreas circundantes que trabalhavam em frentes extrativas. Após este contato, a FPE intensificou sua presença nos rios Ituí e Itacoaí. Actualmente, a vigilância constante nesta área inibe a acção dos Pescadores ilegais e dos caçadores furtivos. Mas mesmo em menor escala, ataques esporádicos ainda ocorrem, o que coloca em risco o grupo isolado que passa por esse território.nos últimos anos, em tempos de seca, mais de um grupo isolado de Korubo intensificou a presença nas margens dos rios Ituí e Itacoaí. Nessas ocasiões, povos como o Korubo se movem da região de “igarapés” e vão para a borda dos rios para coletar ovos de quelônios, tartarugas ou “tracajás”. Em 2014, um desses grupos estabeleceu um novo contato. “Eles foram acampados na borda por alguns dias, chamando, sinalizando para barcos de passagem de outros indígenas, de profissionais de saúde, ou Funai. E este processo causou duas situações de contato no ano passado”, diz Conrado Octavio.

Korubo group which established contact in 2014 (photo: CGIIRC / Funai).

No caso da extração ilegal de madeira, os rios ao norte do Vale do Javari sempre foram a principal porta de entrada para a atividade. Nos últimos anos, no entanto, também mudou e o sul tornou-se o principal alvo das árvores de abate para criação de gado e exploração madeireira.como agravante, há projetos no âmbito da iniciativa para a integração de infraestrutura Regional na América do Sul (IIRSA)-substituído recentemente pelo Conselho e planejamento de Infraestrutura da América do Sul (COSIPLAN), órgão da União das Nações Sul-Americanas (UNASUL), que visam apoiar as atividades econômicas da região e podem intensificar essas invasões. Atualmente, está sendo discutida a abertura de uma ligação ferroviária que liga o município do Cruzeiro do Sul (AC, Brasil) a Pucallpa, cidade peruana que é um grande pólo de madeira. Portanto, a proximidade do Rio Juruá, no sul da Terra Indígena, região que antes era difícil de acessar e serviu de refúgio para os grupos, está se tornando cada vez mais suscetível às pressões.um” novo ” problema antigo é o interesse das companhias petrolíferas da região. A questão é ainda mais difícil de resolver do que outras, uma vez que o interesse está em uma área de território fronteiriço compartilhada pelo Brasil e Peru, que têm políticas diferentes dirigidas aos povos indígenas e Onde Habitam grupos que desconhecem a existência de uma linha geopolítica que os divide e lhes dá direitos diferentes.no passado, em meados de 1980, o povo Matsés (como a Mayoruna se chama) sofria das atividades da Petrobras na região, e até hoje se lembram das mortes e doenças daquele período. “Na exploração petrolífera chegam desflorestando, explodindo e trazendo mais medo para os indígenas que nem sequer sabem o que é. Com estes trabalhos chegam também doenças, influenza, que sempre foi fatal para os indígenas que estavam na floresta”, lembra Raimundo Mean Mayoruna.

Durante a V Reunião Binacional Matsés Brasil - Peru, lideranças Matsés repudiam uma atividade petroleira nenhum território Matsés e de povos isolados que habitam a região do rio Jaquirana, a TI Vale do Javari (Foto: Acerco CTI).durante o encontro Binacional povo Matsés-Brasil V Peru, líderes do Povo Matsés repudiam a atividade petrolífera no povo Matsés e território de povos isolados que habitam a região do Rio Javari Vale Jaquirana, TI (foto: CTI tão perto).

O Estado Brasileiro de atividades da empresa na região foram paralisadas em 1984, quando um Korubo isolados grupo matou dois funcionários que prestavam serviços para uma empresa contratada pela Petrobras nas proximidades do Rio Itacoaí por golpes de cacete (“borduna”). Embora a terra indígena esteja sendo oficialmente protegida no Brasil, a frente econômica tem aumentado gradualmente a pressão petrolífera sobre ela, ainda que ainda de forma incipiente.no outro lado da fronteira, a exploração já está mais avançada. O Pacific Rubiales, uma companhia canadense de ramos de petróleo, ganhou as concessões e pesquisas em áreas de ocupação principalmente de povos Matsés e Matís, além dos isolados. “O Estado peruano não tem uma política de proteção, não sabe lidar com o isolamento. Inclusive, o governo anterior (Presidente Allan García) não reconheceu sua existência e disse que era uma invenção das ONGs que não queriam que o governo peruano retirasse petróleo da terra”, diz Hilton.a agressividade da prospecção, com o movimento de colaboradores, máquinas, explosões e tudo o que envolve a atividade e pesquisa, já causou mudanças, de acordo com os povos indígenas que vivem perto dos lotes de petróleo. “A maior ameaça está na fronteira do Peru, no Rio Jaquirana, onde outros povos indígenas isolados foram vistos e, ao mesmo tempo, onde as companhias petrolíferas estão chegando. Esta exploração está empurrando os grupos isolados para o outro lado e isso pode gerar conflitos, já que eles podem pensar que os indígenas contatados são os que os ameaçam”, diz Raimundo.uma questão de autonomia no Vale do Javari como em outros lugares, a garantia de autonomia dos povos indígenas isolados depende da proteção do vasto território contra a pressão de várias frentes de expansão. Portanto, além do fortalecimento da Frente de Proteção Etnoambiental, o movimento indígena local reclama maior participação na política. “Os indígenas já sabem da territorialidade, só precisam estar preparados e encorajados. Há casos de indígenas que vivem em aldeias contatadas e têm medo dos isolados, falham no diálogo. Eles precisam estar preparados para evitar conflitos”, opines Paulo Marubo, Coordenador Geral da União dos pobres Indígenas do Vale do Javari (Univaja).os brancos não estão sempre nas terras indígenas. Assim, o que reivindicamos como movimento indígena é que o estado prepare seus próprios povos indígenas, que vivem diretamente na região e coabitam com os isolados, para atuar na região”, completa Manuel Chorimpa Marubo também da coordenação da Univaja.para Raimundo, significa garantir o direito a um modo de vida livre e autônomo. “O termo ‘isolado’ passa uma idéia que os indígenas não sabem como viver na sociedade, quando na verdade eles estão vivendo como suas antigas tradições e não querem ter contato com a sociedade branca. Eles não precisam do que os brancos têm, estão vivendo sem depender de nada. Acho que é por isso que os brancos os vêem como “isolados”. Na verdade, os brancos queriam que todos os indígenas fossem iguais, vestidos como eles. Nós também estamos’ isolados’, mesmo vestindo roupas. Quando estamos distantes dos brancos, também estamos isolados”, diz ele.

Lembrar-se do tempo quando seu povo Mayoruna viveu “isolado” (em termos não-indígenas considerar a expressão), Raimundo coments sobre a inteligência do isolamento voluntário estratégia em face de tantos problemas que o contatados as pessoas: “se eles fizeram contato, eles teriam que depender de brancos para viver. Medicamentos, Motores e outras coisas. Sua idéia de não querer depender é muito inteligente, não querer pedir coisas para os brancos. A melhor maneira de viver é como eles são: caçar e colher.”

Dias antes do fechamento desta edição, a Funai publicou em seu site um contato envolvendo um grupo de Matís pessoas e um grupo de Korubo isolados, na Terra Indígena Vale do Javari (AM, Brasil). O grupo isolado consiste em 21 pessoas, incluindo adultos e crianças. O contato ocorreu no final de setembro, depois de alguma aproximação Matis ao grupo Korubo, enquanto eles estavam atravessando o Rio Branco, na área ao lado das aldeias Matis.

Accordkorubo5-seting to Funai, the Matis undertoked the contact to feel threat by the presence of isolated near their territory. Esse medo deriva das consequências de um encontro estabelecido em novembro de 2014, quando o isolado Korubo do Rio Coari se aproximou das plantações da vila Matis Todowak e resolveu um conflito entre eles resultando na morte de dois Matis.por parte do Estado, foi posto em prática um plano de protecção epidemiológica e promoção do Diálogo intercultural. Por outro lado, os Matis têm expressado sua insatisfação recorrente com o órgão indigenista, alegando que eles não estão sendo autorizados a colocar em prática sua liderança e autonomia na condução do contato com o Grupo Korubo.

(Foto: Grupo Korubo contactado por Matis. Crédito: CGIIRC / Funai).

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